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Pedalar será hábito padrão de mobilidade nas próximas décadas

de Sérgio Abranches

Quando estive em Copenhague para cobrir a COP15, aluguei um apartamento em um bairro um pouco mais afastado da cidade. Caminhava duas quadras do apartamento até a estação do metrô. A rua, pequena, tinha um condomínio. Todos os apartamentos tinham bicicletas. Copenhague é uma das cidades mais preparadas para o ciclismo cotidiano do mundo.

Todas as entradas tinham mais de uma bicicleta. Algumas bikes pertenciam claramente a casais sem filhos. Casais com filhos pequenos tinham bicicletas com carrinho de bebê acoplado, às vezes dois. Vários tinham triciclos que podiam carregar crianças maiores, compras e volumes até um determinado porte. Havia portas em que víamos bicicletas de adultos e de crianças.

No trajeto do apartamento ao aeroporto, em todas as ruas víamos grande quantidade de bicicletas. Caminhávamos ao lado da ciclovia, protegida da rua por onde passavam os carros. Por ela não paravam de passar ciclistas de todas as idades. Na estação do metrô havia um estacionamento só para bicicletas, sempre repleto de bicicletas dos mais variados tipos. Alguns levavam as bikes no metrô, provavelmente porque o local para onde iam ficava distante da estação. Ninguém achava estranho ou incômodo.

Era evidente que Copenhague era uma cidade onde o hábito da bicicleta fazia parte do cotidiano de grande número, se não da maioria das pessoas.

Estive em Nova York, logo que o prefeito Bloomberg nomeou Jeanette Sadik-Khan Comissária de Transportes da cidade. Uma ciclista habitual, Sadik-Khan resolveu redesenhar ruas importantes da cidade, como a Broadway, para construir um sistema de ciclovias que circunda toda a ilha de Manhattan. O programa é mais amplo, vai além das bicicletas e tem por objetivo promover a segurança, a mobilidade e a sustentabilidade em toda a cidade. Ela administra um orçamento de mais de US$ 2 bilhões por ano. Outra iniciativa importante foi determinar a troca de toda a frota de táxis para veículos híbridos e elétricos. Nessa minha primeira ida, tive que me esforçar um pouco para só pegar os novos táxis. E ouvi muita reclamação dos motoristas.

O começo me pareceu uma tremenda ousadia, que dificilmente iria muito longe. O trânsito de Nova York sempre foi caótico, difícil e nervoso. Estreitar uma rua importante como a Broadway, fechar outras à passagem de veículos motorizados, forçar a renovação de toda a frota de táxis e limusines para veículos híbridos e elétricos me parecia impossível.

Voltei um ano depois e vi que era ousadia, mas era viável. A Broadway havia virado Broadway Boulevard, com uma pista só para veículos motorizados, espaços generosos para pedestres e uma ciclovia que dava vontade de pegar uma bike e passear por ela, apesar do frio. Era fácil pegar um táxi híbrido ou elétrico. Não ouvi mais reclamações de motorista.

Aliás, Sadik-Kahn passou a fechar várias ruas para organizar passeios de bicicletas e os relatos dos ciclistas nova-iorquinos é que eles passaram a conhecer uma outra Nova York. Viram prédios, monumentos, afrescos, portas e portões verdadeiras obras de arte, que nunca haviam reparado antes.

Fiz um áudio slide-show para O Eco, nesta segunda visita, que ainda pode ser visto aqui.

Havia planejado passar por Nova York na volta da COP16, em Cancún, mas um imprevisto me fez vir direto para o Rio. Queria fazer um novo áudio-slide show com o avanço do plano, que mudou a cara de Times Square e já chegou ao Brooklin. Foi na área rica do Brooklin, mais especificamente em Prospect Park West, que Sadik-Kahn enfrentou seus verdadeiros adversários. A antiga comissária de Transportes da cidade, Iris Weinshall, seu marido, o senador Chuck Schumer e um grupo de ricos, famosos e poderosos vizinhos, contrataram o escritório de advocacia Gibson, Dunn, and Crutcher para processar a prefeitura contra a ciclovia. O escritório é poderoso, republicano e conservador. Conhecido por ganhar ruidosas causas contra ambientalistas.

Entre os litigantes há vários grandes financiadores de campanha, inclusive do prefeito Bloomberg. Listaram uma série de argumentos que a simples inspeção visual das outras partes já em uso da ciclovia mostram que são apenas pretextos. Dizem que o trânsito vai piorar e os pedestres ficarão menos seguros. Não foi assim em nenhuma outra parte da cidade. Estão é irritados com a possibilidade de pessoas comuns passarem a trafegar por seu exclusivo endereço e com a redução do espaço de estacionamento para seus carrões. Andam fazendo forte pressão para que Bloomberg demita Sadik-Kahn.

O prefeito andou vacilando, mas parece que a reação do restante da população, amplamente favorável às ciclovias, deu uma sobrevida à corajosa comissária de Transportes. Os contra a ciclovia começaram a ficar mais temerosos da reação popular e passaram a esconder sua participação no litígio. O advogado Jim Walden, patrono da causa, tenta agora dizer que ela é sua apenas. Está fazendo grande campanha de mídia, como sempre faz, e tentando esconder a participação de vários de seus clientes, em particular o casal Weinshall e Schumer.

Enquanto isso, em Buenos Aires, a prefeitura lançou o programa Mejor en Bici, que pretende construir uma rede de 100 quilômetros de ciclovias protegidas.

O programa vai dar preferência no desenho da primeira parte da rede ao acesso rápido às universidades. Ela terá vários ramais, cortando Buenos Aires de Norte a Sul, Leste a Oeste, conectando Retiro, Constitución, Plaza Italia, Plaza Once, Puerto Madero, La Boca, Correo Central e Plaza de Mayo. Com este trajeto tem tudo para se tornar também uma via turística de primeira. O plano é, além construir essa infra-estrutura de ciclovias protegidas do trânsito, com algumas partes inclusive cobertas, criar um sistema de aluguel de bicicletas. As ciclovias serão integradas aos principais centros de transbordo das universidades e dos prédios públicos.

Nada parecido com o arremedo de ciclovias que fizeram no Rio de Janeiro e em São Paulo. Uma pena para essas capitais que ficarão atrasadas em uma tendência que se espalha por todas as capitais importantes do mundo. Aliás, a situação de Brasília é ainda mais vergonhosa, a cidade tem espaços livres entre o passeio e as quadras, gramado, que poderia ter ciclovias ultra-seguras cortando todo o Plano Piloto. As poucas ciclovias que tem, no lago, são péssimas.

A bicicleta vai se tornar um hábito padrão de mobilidade em todo o mundo nos próximos anos.

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Fonte: Ecopolitica, 25/03/2011

Projetos de Incentivo ao Uso da Bicicleta aqui.

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