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Sobre bicicletas e cidades, o flâneur OffLiner

Uma das grandes influencias do movimento hippie dos anos 60 e 70 costumava andar a pé pelas pradarias norte americana. Num texto chama do “Andar a pé” Henry David Thoreau, relata suas sensações.

Tão profundo são seus relatos que, antes mesmo dos jovens americanos, sensibilizou o líder Indiano Mahatma Gandhi, e sua filosofia da resistência pacífica, que viria a contribuir para independência da Índia em 1947.

O andarilho costumava evitar as estradas, por ver nelas um princípio de política. Seu objetivo era o campo aberto. Nesses locais se deixava levar pelo terreno, caminhando a esmo.

De tanto proceder assim constatou que um padrão se repetia. Em dias que sua disposição apontava para a novidade, o futuro e novas experiências às forças naturais o levavam para oeste. Em dias que as memórias afloravam, a tendência das escolhas eram os caminhos que o conduziam a leste.

Ele afirmou com isso, ter descoberto a lógica das grandes migrações da humanidade. Estas, partindo do Oriente Médio, detiveram-se por algum tempo às margens do oceano atlântico, reiniciando seu curso pelas terras do novo mundo, tão logo o obstáculo fora superado. Desta forma, diz ele: se queres a história dirija-se a leste, se queres a novidade vá para oeste. Mesmo longe das estradas, seu olhar foi política pura.

Na linha oposta a esta experiência, quase ao mesmo tempo dos seus escritos, surgia pelas ruas das cidades européias, um típico produto da sociedade industrializada, nomeado nos versos do poeta Frances Charles Baudelaire. Uma figura das multidões, que caminha tranquilamente pelas ruas, observando cada detalhe, confundindo-se com a paisagem, para absorver uma nova percepção do espaço urbano.

Esse flâneur, alimentado pelas multidões e pelos burburinhos, já não existe mais, afirmam alguns. Desapareceu, motivado pela violência das ruas pós-modernas. Era uma figura que estava em todo lugar, e ao mesmo tempo em lugar algum. Embriagava-se de encantamento e temor pela cidade.

Seu herdeiro mais próximo já não pode ser chamado pelo mesmo nome. Mais acertadamente, devemos chamá-lo de voyeur, aquele que experimenta o mundo, através das telas de cristal líquido, navegando por links e informações em excesso. Concentrando no olhar às únicas sensações possíveis. Se empanturrando de inutilidades. Alimentado diariamente como ganso, prestes a atingir seu “foie gras”, corre o risco de virar patê.

Destas aves surge, como um grito desesperado, a tentativa de resgatar a condição do flâneur do passado. No movimento dos ciclistas, que ocorre na cidade de Porto Alegre, encontramos alguns indícios desta retomada.

Andar de bicicleta é sinestésico (envolve todas as sensações do corpo). O tato experimenta o espaço público, embebido de política e engajamento, com tempo para fruir a paisagem, assim como quando se andava a pé pela cidade.

Engana-se, aquele que desqualifica o ingrediente político desta ação. Fazer oposição aos automóveis, e sair das celas do home office, é dar forma a um novo protagonista, talvez o emergente OffLiner, que começam a ser comentado por ai, que nega a ditadura do voyeur visual, e tenta recupera a condição primordial das sensações, na simplicidade complexa do cotidiano.

Se não estou enganado, ontem mesmo, vi alguns deles rumando para oeste, por estradas ainda não pavimentadas!

Fonte: Baguete, 12/03/2012

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