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Cidade de Castelo do Piauí muda rotina das escolas e consegue aumento de Ideb de forma sustentável

Em dezembro de 2009, o clube Mary Eventos da cidade de Castelo do Piauí, um município de 20 mil habitantes a 190 km da capital do estado, Teresina, estava lotado. Duzentas pessoas, entre professores, pais, familiares, vereadores, prefeito e outras autoridades da cidade, lotavam o espaço de festas e após ouvirem o poema “Saga de um estudante”, passaram a aplaudir o seu autor, o estudante Francisco Edson Sousa de Oliveira, de 11 anos, na época concluindo a 4ª série do ensino na Escola Municipal Vereador Valdemar Sales, por ter vencido o concurso Campeão de Leitura, promovido pela Prefeitura Municipal. Além dos aplausos, Francisco Edson ganhou um telefone celular, R$ 50 e um curso de computação por ter vencido o concurso por ler 520 livros no ano e sentiu que não era apenas o campeão de leitura, mas de toda a cidade.
“Quando eu vi aquela multidão me aplaudindo, eu fiquei emocionado, chorei. Estava sendo reconhecido e sei que quero continuar estudando para ganhar ainda mais reconhecimento por meu esforço e os livros que eu li e estou lendo não servem apenas para as aulas de português, mas também para as de ciências, matemática e geografia. Um livro que me marcou foi 'Uma história de futebol', sobre a infância de Pelé, que mostra um menino que nasceu pobre, sofreu muito na vida, mas venceu e se tornou o maior jogador de futebol do mundo. Eu percebi que posso chegar lá porque a leitura dá muitas chances para quem a usa”, diz Francisco Edson, que eu seu poema mencionou a razão por ter saído das escolas da zona rural da capital, onde seus pais moravam, para voltar à cidade natal de sua família e morar com os avós de 68 anos de idade, após a morte de sua, após um longo e sofrido tratamento contra câncer de mama.
Ele credita à leitura de até três livros por final de semana e dois livros por dia e à organização da escola as notas de 10 a 9 que tira nas disciplinas.
O sucesso acadêmico de Francisco Edson não é individual, mas de toda uma cidade, Castelo do Piauí, uma das que mais melhorou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Numa escala de 0 a 10, a cidade tinha nota média de 2,5, em 2005 e hoje tem nota média de 5.
As mudanças ocorridas estão baseadas na busca da qualidade do ensino e o estabelecimento de uma rotina na sala que aula, que começa com uma acolhida, quando as crianças cantam, fazem jogos coletivos; o momento curtindo a escola, no qual um dos alunos faz o resumo, comenta e interpreta o livro que leu no dia anterior; é feita a correção do trabalho escolar levado para ser feito em casa; são realizadas atividades do dia com o professor ministrando as disciplinas, exercícios com tabuada; a revisão do dia; e a entrega do trabalho para casa.
Essas mudanças começaram ocorrer em 2006, quando os 4.577 alunos das 48 escolas municipais do 1º ao 9º ano do ensino fundamental passaram a ser beneficiados com o efeito da decisão da Secretaria Municipal de Educação em aderir aos Programas Circuito Cidadão, Gestão Nota Dez, Acelera Brasil e Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, que atacaram problemas que se arrastavam por década como distorção entre a idade dos alunos e as séries que cursavam e o combate à ausência nas salas de aulas dos professores e estudantes.
“Nós conseguimos melhoria na qualidade do ensino porque o trabalho é focado no aluno, em seu desenvolvimento. É um trabalho de equipe e a gestão não mede esforços para cada vez melhorar as escolas para melhorar o desempenho dos alunos. Os índices do Ideb estão mostrando isso, esse empenho porque focamos no desempenho do aluno, no compromisso dos professores e funcionários, na competência de uma equipe grande, que envolve professores, coordenadores, superintendentes, alunos e os pais. É uma rede que nós chamamos de círculo do sucesso, o círculo do sucesso. Com esse trabalho para o desempenho, para o desenvolvimento a gente consegue atingir os objetivos”, fala a secretária municipal de Educação de Castelo do Piauí, Maria Ivanildes de Sousa Cardoso, que é professora graduada em Letras Português.
Os 260 professores da rede municipal de ensina não faltam às aulas e 80% deles estão cursando ou concluíram pós-graduação. Nas escolas está pintado na parede interna na frente do portão a saudação de “Bem Vindos”. No turno em que não estão nas salas de aulas, 300 alunos participam do programa de jornada ampliada, onde têm aulas de hip-hop, de capoeira, participam de rodas de leitura, aulas de dança e teatro e de chás literários.
No ano passado, o índice de aprovação dos estudantes das escolas municipais ficou em 90% e a taxa de abandono caiu para 0,8%. O município acompanhou o piso salarial nacional e os professores estão ganhando R$ 1.024,00 por mês no início da carreira e o salário médio do docente é de R$ 1.500,00 mensais.
Por orientação do Instituto Ayrton Senna, as paredes das salas de aulas estão pintadas com as atividades diárias e com painéis com os primeiros lugares entre os alunos que mais leram livros no mês; os que estão com melhor desempenho na tabuada e os alunos que faltam sem que os pais apresentem justificativas recebem ficam com a cor vermelha em suas fichas e as que não entregam seus trabalhos para casa recebem pontos azuis e os que frequentam as aulas e entregam os trabalhos de casa são contemplados com pontos verdes nas fichas coladas na sala de aulas.
Nem sempre foi assim. Em 2005, a taxa de reprovação nas escolas municipais era de 69,7% e a distorção idade-série era de 62% dos alunos matriculados e caiu para 20,3%, segundo o Unicef, órgão das Nações Unidas para a educação e cultura.
A professora Rosa Rejane Soares Lima, com licenciatura em Biologia e pós-graduação em Gestão Escolar, diretora da Escola Municipal Professora Hilda Cardoso Vieira, diz que em 2005 o colégio estava no fundo do poço. Pais chegavam para matricular seus filhos e pediam para que não ficassem nas salas de alguns professores porque tinham a fama de faltar muito.
Naquele ano, o abandono dos alunos da sala de aula ficou em 16% e no encerramento das aulas, 52% dos alunos estavam aprovados e 47% reprovados.
No ano passado, dos 436 alunos dos 1º ao 5º ano (antigas 1ª a 4ª séries) do ensino fundamental, 392 foram aprovados e 44% foram aprovados, com taxa de aprovação de 90%. A taxa de abandono ficou em 0,77%. A nota da escola no Ideb ficou em 5,6.
“A diferença era que não tínhamos um rotina, metas para atingir, o que foi estabelecido com adesão aos programas do Instituto Ayrton Senna. Agora existe uma matriz de habilidades que os alunos têm que sair da sala de aulas e do ano com elas”, falou Rosa Rejane Soares Lima.
Os alunos da série inicial do ensino fundamental têm que identificar seu nome listado em uma relação, identificar no alfabeto as letras do próprio nome, contar objetos de uma coleção, ler números usados na vida real com os dos telefones, placas de carros e da casa onde mora.
Na última série do ensino fundamental, os alunos têm que resolver problemas utilizando dados apresentados em tabelas ou gráficos, extrair a média aritmética a partir de uma tabela, inferir sobre a ausência de regras ortográficas na escrita de ofertas palavras e argumentar, por escrito, a favor ou contra uma ideia ou fato.
Para cumprir essas habilidades os alunos têm que comparecer às aulas durante 200 dias e 800 horas, números repetidos como mantra pelos estudantes e professores de Castelo do Piauí.
Garantir a frequência dos alunos é uma obsessão pedagógica. A secretária da Escola Municipal Professora Hilda Cardoso Vieira, Francisca Neuma Soares, de 52 anos, uma professora que começou sua carreira como graduada em curso Normal de ensino médio em escolas da zona Rural e se graduou em Ensino Normal Superior quando o curso começou a ser oferecido em Castelo do Piauí, foi buscar em casa, no bairro Mutirão, onde fica o colégio, o estudante Francisco Antônio, de 13 anos, que se recusava em fazer a prova de educação física.
“Quando cheguei em sua casa, ele colocou a cabeça na porta e perguntou:'o que você quer comigo?'. Foi uma luta, mas ele fez a prova de educação física e foi aprovado. Agora ele sabe que se não vir para a aula eu vou buscar”, fala Francisca Neuma.
Francisco Antônio, como a grande maioria dos alunos de Castelo do Piauí, vive com a avó, a aposentada Maria Ineuza Pereira da Costa, de 68 anos, porque seus pais vivem na zona rural de um município vizinho, Buriti dos Montes. Muitos estudantes de Castelo do Piauí vivem em famílias desestruturadas porque o pai foi trabalhar em São Paulo e a mãe ou os avós não têm escolaridade e não sabem a importância da educação formal. Isso deixa os jovens donos de si e tentam evitar as salas de aulas.
Quando percebe que os pais estão indiferentes à vida escolar dos filhos, os diretores das escolas enviam a relação dos alunos faltosos para o Conselho Tutelar e para a Promotoria da Justiça que notificam os pais alertando que poderão ser presos caso não garantam a presença dos filhos nas salas de aulas e responderão pelo crime de abandono intelectual de incapaz.
Aluna da Escola Municipal Professora Hilda Cardoso Vieira desde 2005, Maria Evilane Pereira de Araújo, de 10 anos e estudante da 4ª série do ensino fundamental, disse que o colégio melhorou muito.
“O colégio tinha muitos professoras, mas não davam muitas aulas, não exigiam muito da gente. Agora melhoraram a merenda, antes a merenda era só sopa. Agora todos os anos ajeitam as salas de aulas, somos obrigadas a ler muitos livros e não existiam aulas de danças e de teatro”, diz Maria Evilane Pereira de Araújo, que agora integra o grupo de alunos que participam das aulas de hip-hop, foi reprovada em 2005 e agora tira notas entre 8,5 a 10.
“Antes, eu não conseguia prestar atenção às aulas e não aprendia, não tinha interesse e as notas eram baixas. Naquela época, a gente podia faltar que ninguém notava e as professoras não colocavam os pontos vermelhos em nossas fichas e muitos alunos eram bagunceiros”, afirma Maria Evilane Pereira de Araújo.
“A escola não era organizada, era diferente. As aulas eram diferentes, a gente não lia livros, não tinha acolhida na chegada na sala de aula, nem tinha horários de aulas fixos”, falou Anderson Vieira da Silva, de 11 anos, que lê 20 livros por mês. Em sua sala de aula ficam caixas de som para que os estudantes leiam as histórias ou as interpretações dos livros que leram para os colegas.
“Uma coisa a gente não pode esquecer é que as crianças podem lançar mão de antigos métodos para aprender como o uso da velha tabuada, que é eficaz para o aprendizado da adição, subtração, multiplicação e divisão”, afirma a professora Maria José Gomes Ferreira, de 39 anos, que para ensinar matemática usa uma caixa de onde tira todos os dias problemas para que os estudantes resolvam. Os problemas matemáticos são chamados de desafios do dia e chamam muita atenção e tem o jogo do material dourado, feito de madeira, para que os alunos aprendam as classes das unidades e saibam o que é uma centena, uma dezena.
“Matemática é uma disciplina que é ministrada com o desafio do dia. Os alunos querem resolver os problemas que eu tiro da caixinha. Tentam resolver os problemas e muitos deles são pegadinhas que fazem as crianças aprenderem conteúdos mais difíceis como se fossem um jogo”, declara Maria José Gomes Ferreira.
Problemas mais profundos enfrentam diretores e professores das escolas municipais de Castelo do Piauí com uma secular indiferença aos efeitos da educação em um município onde 39% da população é analfabeta, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Wili Claudio Pereira Júnior, de 9 anos e estudante da 4ª série, nunca foi reprovado, mas não consegue terminar a aula sendo na carteira da Escola Municipal Vereador Waldemar Salles, que obteve nota de 5,6 no último Ideb, por ser hiperativo. Ele nasceu em Castelo do Piauí e foi levado pelo pais para São Paulo. A mãe, uma empregada doméstica, o deixava em casa sozinho com a comida para esquentar no forno. Um dia, um integrante do Conselho Tutelar de Cotia (SP) o viu brincando em uma laje e descobriu que passava o dia sozinho e deu um ultimato à mãe: ou parava de trabalhar e cuidava do filho ou ele seria levado pelo Conselho Tutelar.
A solução foi mandar Wili Cláudio para morar sozinho com a avó, uma lavradora aposentada de 69 anos. Os dois vivem sozinhos e a diretora da Escola Municipal Vereador Waldemar Salles, Gildete Alves Soares, de 34 anos, que é graduada em Pedagogia e em Psicopedagogia e com pós-graduação na área, encaminhou Wili Cláudio para a psicóloga em Castelo do Piauí e, depois, para acompanhamento por um psiquiatra na capital, Teresina.
Daniele Vieira da Silva, de 13 anos, começou a estudar na Escola Municipal Vereador Waldemar Salles com 11 anos e ainda estava fazendo a 2ª série porque sua mãe vivia indo e voltando para a cidade porque onde mora o pai da estudante, no município de Juazeiro do Piauí, a água é salinizada e a dona de casa não se adaptava.
O resultado foi uma distorção de idade-série e Daniele Vieira participou de um programa de refluxo escolar para acompanhar seus colegas de faixa etária. Daniele Vieira fracassou da primeira vez, mas terminou completando duas séries em um só ano.
“Eu não gosto de fazer os trabalhos de casa e não me interessava muito, mas agora eu descobri que quando não entrego o trabalho de casa meus pontos ficam azuis e não verdes como os meus colegas e que o resultado vai para Brasília. Não queria que soubesse em Brasília que não fazia o trabalho de casa”, diz Daniele Vieira, se referindo ao Sistema de Acompanhamento que o Instituto Ayrton Senna mantém em Brasília com o desempenho de cada aluno.
“O diferencial para atingir um ensino de qualidade é saber que os alunos são diversificados e em uma sala com 23 alunos , cada um tem seus problemas e ensino para eles que o estudo é a arma do futuro, não pode ter timidez. O papel do professor é dar suporte para que os alunos tenham uma vida melhor. No meu modo de pensar é trabalhar com carinho e conhecer as necessidades de cada criança, um compromisso integral com todos e posso suprir um problema, temos que trabalhar o problema da criança porque às vezes não têm uma boa leitura, não têm um bom comportamento e para que se tenha sucesso é preciso olhar tudo isso. A sala é homogênea, mas cada um tem um problema diferente, o professor tem que observar isso e tentar ajudar o aluno a superar o seu problema. Temos que ter um olhar diferenciado para cada aluno”, ensina a professora Maria da Cruz Vieira, de 46 anos, da Escola Municipal Humberto Lima, que obteve nota de 5,7 no último Ideb.
Maria da Cruz foi premiada com título Mestre de Sucesso, que a Prefeitura de Castelo do Piauí concede anualmente, junto com um notebook, ao professor com maores índices de assiduidade, compromisso de chegar todos os dias no horário certo do início das aulas e o desenvolvimento de todos os alunos em todas as disciplinas, o que é medido pelo indicador de aprovação.
O olhar diferenciado para cada aluno fez com que a Prefeitura de Castelo do Piauí criasse o Programa Pedalando para o Sucesso, que é a entrega de uma bicicleta para cada aluno que mora em povoados rurais de difícil acesso ou distantes das escolas em até 3 quilômetros.
O superintendente escolar da Secretaria Municipal de Educação, Edimilson Pereira, disse que programa que beneficiou 180 estudantes das escolas de ensino fundamental é modelo para projeto que o Ministério da Educação (MEC) vai implantar em todo o país. No mês passado, engenheiros do MEC foram a Castelo do Piauí para testar com os alunos das escolas da zona rural um protótipo mais resistente para ser usado em todo o Brasil. Os engenheiros entregaram quatro bicicletas que foram testadas por um dia por 12 alunos.
As bicicletas, compradas a R$ 300 cada, são usadas pelos alunos e no final do ano entregues para as escolas fazem a manutenção durante as férias e devolver no ano seguinte para o mesmo aluno ou para outro que necessite.
“Distribuímos as bicicletas para garantir a presença dos alunos nas salas de aulas. Muitos moram em locais onde o acesso é por veredas apenas na mata. Os alunos vão de bicicleta até uma localidade por onde o ônibus escolar passa. Descobrimos que as famílias têm a média de uma bicicleta e o meio de transporte é usado pelo chefe de família se descolar para a roça e os filhos ficavam disputando a mesma bicicleta”, fala Edimilson Pereira.
“Lá em casa tinha duas bicicletas e nós somos cinco irmãos e estudamos na mesma escola e eu tinha que ficar na casa de minha avós mais perto da escola e só ia nos finais ou alguns dias de semana para a casa de meus pais. Agora com a bicicleta, eu saio de casa, pedalo uns 15 minutos e estou na escola. Agora só falto às aulas quando adoeço”, falou a estudante da 4ª série do ensino fundamental Francislane Melo Silva, de 12 anos, aluna da 4ª série da Escola Municipal Francisco Luiz de Sousa, do povoado Açude Mão Cortada, que fica a 25 quilômetros do centro de Castelo do Piauí.
“A nossa bicicleta é resistente, mas a do Ministério da Educação é mais leve”, avaliou Francislane Melo Silva, que testou o protótipo da bicicleta andando dois quilômetros que separam o povoado Carro Velho, onde mora, até a escola.

Fonte: Meionorte, 17/07/2010

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